Monte Castelo: Cidadão indignado.
O que estou fazendo nessa fila de banco? Eu poderia ter mandado alguém... mas sei lá, fiquei com vontade de resolver esse inconveniente com o meu cartão pessoalmente. Olhar nos olhos de quem o bloqueou por engano, quem sabe. Eu só não sabia que o lugar estaria tão lotado.
Droga.
Tudo bem. Provavelmente já passei por situações piores em minhas expedições pelo mundo.
(Eu acho).
As horas se arrastam. Sinto como se perdesse um tempo precioso da minha vida. Um tempo que não voltará nunca mais. Eu poderia estar fazendo milhares de outras coisas agora. Bem, acho melhor não pensar tanto nisso. Até que a fila já diminuiu. Depois de cerca de duas horas aqui parado, faltam apenas cinco pessoas. Às vezes sou contemplativo demais. Como agora. Estou tão distraído que levo alguns momentos para perceber a agitação ao meu redor. Então vem a gritaria. O pânico. E o choro desconsolado dos marmanjos. (As mulheres são mais controladas). Cara, eu preciso me benzer. É sério.
Os assaltantes mandam que nós nos deitemos no chão. Como esses mascarados conseguiram entrar no banco com essas armas?
Assalto a banco? Pois é. Com o aumento da vigilância da polícia nos pontos de venda de drogas, os bandidos começaram a procurar outras opções de conseguir dinheiro fácil. Ouvi dizer que havia aumentado e muito a incidência de roubos a caminhões de carga, e esta, por sua vez passou a se proteger com sistemas de rastreamento via satélite e reforço das escoltas. Sendo assim, o próximo alvo foram os bancos. Estão sendo. E comigo dentro.
Droga.
Por que a minha vida é cheia de situações bizarras e perigosas, como se eu fosse um personagem de histórias em quadrinhos? Por que eu não fiquei na minha casa olhando para o teto até anoitecer?
Droga.
Estava quase na minha vez de ser atendido!!!
Droga, droga, droga.
Dez minutos no chão frio. Demora muito até os bandidos de organizarem. Só podem ser amadores. Nós, pobres reféns, ficamos presos no segundo andar do banco. Como estou próximo da janela, vejo que há um deles na porta do banco, disfarçado como um funcionário, e não deixa ninguém entrar. Qual será a desculpa que ele inventou? “Desculpe o transtorno. Estamos em reformas”. Reformas financeiras, com certeza. O pior é que as pessoas parecem estar engolindo. Eu poderia tentar mandar algum tipo de sinal... mas é arriscado. Sabe-se lá o quanto eles estão dispostos a ferir os reféns.
Dois deles entram numa sala reservada com quem eu acredito, seja o gerente carregando as sacolas de malote do próprio banco. Peraí, esses malandros sabiam o horário de abertura do cofre. Hmn... talvez não sejam tão amadores assim...
São quatro ladrões ao todo, mais o cara disfarçado na entrada. O que mais me irrita nesses cretinos é a demora em roubar essa droga de banco. Será que eles não sabem que cedo ou tarde a polícia vai chegar? (É, creio que em algum momento eles consigam chegar.)
Eu já havia decidido não interferir nessa droga toda. Da última vez, quase causei uma tragédia. Não, desta vez, não. Não tenho a menor responsabilidade sobre nada disso. Sou apenas mais uma vítima indefesa deste sistema injusto e violento que assola o nosso...
Droga.
Um dos bandidos acaba de agarrar uma loirinha de seios fartos. Ele a puxa pelos cabelos, aponta uma pistola para sua cabeça e lambe o seu rosto. Agora ele sussurra obscenidades nos seus ouvidos. Ela está chorando. Não acredito no que vou fazer.
Droga.
Juro que se sair dessa com vida, eu procuro um psiquiatra.
Tá, deixa eu me descrever agora. Estou todo rasgado, cheio de cortes e hematomas. Agi por impulso e cai na porrada com os caras. Quase fui baleado. Pus em risco a vida dos outros reféns.
Mas desarmei os bandidos. Agora eu entrego suas armas para um segurança do banco. Sabe, ninguém pode me acusar de ser genial. Admito que tenho até um raciocínio não muito veloz. A arma já está na mão do segurança quando me dou conta de que ele nem tentou me ajudar. Eu tento retê-la comigo, mas é tarde.
Ele aproveita minha guarda baixa e me aplica uma coronhada, fazendo tudo girar ao meu redor. O segurança... os seguranças... todos eles... cúmplices. Foi assim que os caras conseguiram entrar com as armas.
Droga.
Acordo desorientado. Estou surpreso de estar ainda vivo. Não sei se fui muito mal amarrado, mas sei que rapidamente consegui me soltar da corda com que me prenderam.
Eu fecho meus olhos, respiro fundo e algo estranho e inesperado acontece.
Eu me vejo espancando os desgraçados com uma fúria que eu nem sabia ser capaz de expressar. Essa raiva me possui... me consome... eles acordaram um ódio que nunca senti antes por outro ser humano... algo que já estava aqui dentro, reprimido... algo com que terei que viver daqui pra frente. Estou prestes a cometer meu primeiro assassinato...
...mas o gerente agarra meu braço, tentando me conter. Quase quebro seu nariz por reflexo. “Já chega, amigo. Se você matá-lo terá sérios problemas”, ele diz. Eu respiro fundo. A adrenalina cede. Meus músculos tremem. A moça loira vem até mim, chorando.
- Moço... obrigada. Se tivéssemos mais alguns heróis como você...
- Herói? Eu? Não viaja! Meu nome é Diego. Eu sou apenas um... cidadão indignado.
Eu deveria ficar e prestar esclarecimentos à polícia, mas vou ficar devendo essa. Além disso, ninguém parece preocupado em impedir minha saída. Só quero chegar em casa, trocar de roupa e descansar. Este dia está sendo péssimo.
E meu cartão de crédito continua bloqueado.
Droga.
Texto de Henry Garrit
Arte e cores de May Santos
Comentários
Postar um comentário